Vitória da Conquista, localizada no sudoeste da Bahia, é uma cidade marcada por contrastes. Com mais de 340 mil habitantes, é considerada um dos principais polos urbanos do interior nordestino. No entanto, há décadas, a cidade carrega um apelido que intriga e divide opiniões: “Suíça Baiana”. A alcunha, embora popular, levanta uma questão fundamental sobre identidade cultural, pertencimento e a necessidade de valorizar o que é autêntico.
O surgimento do apelido “Suíça Baiana”
O apelido surgiu principalmente por causa do clima mais ameno da cidade. Enquanto boa parte da Bahia é conhecida por temperaturas elevadas e clima tropical, Vitória da Conquista apresenta um clima subtropical de altitude, com noites frias e invernos que podem registrar temperaturas abaixo dos 10 °C. Esse diferencial climático, raro na região, levou muitos a fazerem uma analogia com a Suíça — país europeu conhecido por seus invernos rigorosos e paisagens nevadas.
No entanto, essa comparação se limita ao termômetro. E mesmo nesse aspecto, é superficial. A Suíça possui um clima alpino, com temperaturas que chegam a -20 °C em algumas regiões, além de neve abundante e estações de esqui. Vitória da Conquista, por sua vez, não tem neve, nem montanhas alpinas, nem lagos glaciais. O frio é relativo, e a paisagem urbana não remete, em nenhum aspecto, à estética suíça.
Comparações que não se sustentam
Para quem já visitou a Suíça, a diferença é evidente. A Suíça é um país com infraestrutura de ponta, alto padrão de vida e paisagens naturais de tirar o fôlego. Cidades como Lucerna, Zurique e Genebra são marcadas por arquitetura medieval preservada, ruas limpas, transporte público eficiente e segurança urbana. Os Alpes suíços, com seus picos nevados e trilhas bem sinalizadas, são um símbolo nacional e internacional.
Vitória da Conquista, embora tenha seus encantos, não compartilha nenhuma dessas características. A cidade enfrenta desafios típicos de centros urbanos brasileiros: desigualdade social, transporte público limitado, crescimento desordenado e problemas de infraestrutura. A arquitetura é funcional, mas não histórica; os espaços públicos são poucos e, muitas vezes, mal cuidados; e a violência urbana ainda é uma preocupação constante.
Além disso, a Suíça é conhecida por sua neutralidade política, sistema de democracia direta, e uma cultura multilíngue que inclui alemão, francês, italiano e romanche. Vitória da Conquista, por outro lado, está inserida em um contexto político e social completamente diferente, marcado por disputas partidárias, desigualdade regional e uma cultura predominantemente nordestina, com forte influência sertaneja.

sociais e estruturais distantes da realidade suíça. Foto: reprodução Blog do Anderson.
O Festival Suíça Bahiana e a perpetuação do apelido
O Festival Suíça Bahiana (FSB), realizado anualmente em Vitória da Conquista, é um dos principais eventos culturais da cidade. Voltado para a música alternativa e a arte independente, o festival tem como objetivo promover a diversidade artística e dar espaço a produções fora do circuito comercial. Apesar de seu valor cultural, o nome do festival reforça o apelido que muitos já consideram ultrapassado.
Ao adotar o nome “Suíça Bahiana”, o festival contribui para a manutenção de uma identidade simbólica que não representa a realidade local. Em vez de celebrar o sertão, a cultura nordestina ou a força criativa do interior baiano, o evento acaba reforçando uma comparação que não se sustenta. Seria mais coerente que o festival adotasse um nome que evocasse a autenticidade conquistense, valorizando o que é próprio e não o que é importado.
O uso de apelidos como “Suíça Baiana” revela, em parte, uma busca por prestígio simbólico. Em um país marcado por desigualdades regionais, cidades do interior muitas vezes sentem a necessidade de se afirmar por meio de comparações com modelos europeus ou urbanos. É como se, para ser valorizada, Vitória da Conquista precisasse se parecer com algo externo, distante e idealizado.
Esse fenômeno não é exclusivo da cidade. No Brasil, é comum encontrar apelidos como “Paris dos Trópicos”, “Veneza Brasileira” ou “Nova Iorque Nordestina”. Todos esses nomes carregam uma tentativa de aproximação com centros de prestígio global, ignorando as especificidades locais. É uma forma de colonialismo simbólico, onde o valor é medido pela semelhança com o que vem de fora.

o apelido de “Suíça Baiana”. Foto PMVC.
A importância de construir uma identidade própria
Vitória da Conquista tem uma história rica e uma cultura vibrante. A cidade é um polo educacional, com universidades e centros de pesquisa; é um centro comercial importante para o sudoeste baiano; e possui uma cena artística pulsante, com músicos, escritores e cineastas que produzem conteúdo relevante e original.
Além disso, a cidade está inserida no contexto do sertão nordestino, uma região marcada por resistência, criatividade e força popular. O sertão é fonte de inspiração para a literatura de João Guimarães Rosa, para a música de Elomar Figueira Mello (natural de Conquista), e para o cinema de Glauber Rocha, que também tem raízes na região.
Construir uma identidade própria significa reconhecer e valorizar esses elementos. Significa entender que o frio da cidade não precisa ser comparado ao da Suíça, mas pode ser celebrado como um traço único do sertão baiano. Significa criar narrativas que partam da realidade local, e não de modelos importados.
A desconstrução de apelidos como “Suíça Baiana” passa também pela atuação da mídia e da educação. É preciso promover debates públicos sobre identidade cultural, incentivar a produção de conteúdo que valorize o que é local, e estimular o pensamento crítico nas escolas e universidades.
A mídia tem o poder de moldar percepções. Ao questionar o uso de apelidos importados e promover narrativas autênticas, ela contribui para a construção de uma identidade mais sólida e coerente. A educação, por sua vez, pode formar cidadãos conscientes de sua história, cultura e potencial.
Vitória da Conquista não precisa ser a Suíça Baiana. Precisa ser, simplesmente, Vitória da Conquista. Com seus desafios e conquistas, com seu frio característico, com sua cultura sertaneja, com sua arte independente, com sua força interiorana. A cidade tem tudo para construir uma identidade própria, forte e autêntica — basta parar de olhar para os Alpes e começar a enxergar o sertão.